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Prova de origem trentina

Muitas vezes é difícil comprovar a origem italiana e conseguir a dupla-cidadania. Mas a frustração com a demora do processo de reconhecimento não deve se converter em motivo para a desunião entre trentinos que vivem fora da Itália.

Quando estive na Itália em 2012 tive a satisfação de ouvir uma história emocionante que prova isto. Mais tarde encontrei relatos, fotos, cartas e registros de um momento histórico significativo vivenciado há duas décadas no norte da Itália.

Em 1993 um grupo de 40 pessoas chegou inesperadamente nas pequenas cidades de Villa Agnedo e Strigno. Traziam alguma bagagem e não estavam à passeio. Formou-se uma comissão de autoridades e moradores locais para descobrir quem eram aquelas pessoas e decidir o que fazer.

Eram Bósnios que fugiam da guerra e procuravam abrigo. Haviam partido de Stivor, do norte da Bósnia, e diziam descender de imigrantes trentinos. Desejavam abrigo naquela terra próspera, da qual os antepassados lhes falavam com tanta nostalgia.

Em 1878 trentinos partiram das cidades de Villa, Agnedo e Strigno para o Brasil, mas os problemas na região aumentaram entre 1881 e 1883 com fortes chuvas que assolaram a região, empurrando uma nova onda de desabrigados que buscaram refúgio na antiga Iugoslávia aproveitando uma onda expansionista do império Austro-Húngaro sobre o território turco.

Em pequenas vilas como Stivor os trentinos mantiveram costumes e o dialeto trentino, e por manterem as fortes raízes culturais nunca foram plenamente aceitos na Bósnia, eram vistos como italianos.

Trentinos em Stivor, na antiga Ioguslávia. 
Se na Bósnia eram considerados italianos. Quando voltaram para a Itália foram recebidos como estrangeiros. "Não eram ninguém, nem bósnios nem italianos", como disse Silvana Roner Zanin, em carta ao governo italiano com pedido de ajuda aos refugiados de Stivor. Naquele momento o reconhecimento de cidadania italiana era fundamental para iniciarem uma nova vida na Itália.

Embora não tivessem documentos para atestar a descendência trentina, o grupo de recepção foi surpreendido com uma prova verdadeira. Mais do que falar um pouco de italiano, o grupo falava na forma típica da região da Valsugana, o dialeto Valsuganotto.

Este dialeto sobrevive em ilhas culturais da região de Trento e Bolzano na Itália, na pequena Stivor na Bósnia e, no Vale do Itajaí no sul do Brasil. Como alguém aprenderia a falar um dialeto em vias de extinção se não fossem descendentes daquela região?

Os refugiados foram acolhidos da melhor forma possível, realizou-se uma grande festa para arrecadar dinheiro e se pressionou o governo italiano para conseguir ajuda. Criou-se um círculo italiano em Stivor  e deu-se início a um processo de cooperação das duas regiões que permanece até hoje. Todos os anos se realizam festas, encontros e acordos são firmados para o desenvolvimento dos trentinos na Bósnia.

Embora a experiência em receber refugiados albaneses, croatas e bósnios tenha gerado sentimentos controversos e até xenófobos (veja em "Strigno dopo la caserma"), há quem sinta falta do agito por qual passou a pacata cidade de Strigno naquela época.
Durante nossa estada em Strigno cruzamos várias vezes por um pequeno grupo de bósnios-herzegovinos que trabalhavam na cidade, e confesso não entendia nada do italiano que falavam. A bem da verdade, entendia pouco do dialeto quando Floriani e Sandri falavam entre si.

A história se repete por volta do ano 2000, quando um pequeno grupo de visitantes aparece em Villa Agnedo quase por acidente. Se disseram descendentes de trentinos, desta vez eram Floriani provenientes de Santa Catarina. E de novo  o passaporte italiano não fez falta quando se conversou com o mesmo dialeto.  Quando Franca Floriani e Gino me contaram estas histórias, lembraram com ternura este segundo encontro. Tanto é que formaram uma grande amizade e reataram um laço de família. 

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