Gostaria de compartilhar uma notícia fantástica: ao fim de 2019 foi reconhecida minha cidadania italiana, junto de minha filha, meu pai, irmãs e sobrinhos. Foi com emoção que recebi a notícia do consulado italiano, num email curto e impessoal. Este tipo de notícia não é novidade. É um sentimento que muitos já experimentaram, embora, muitos parentes queridos ainda estejam na fila e, outro tanto infelizmente, talvez nunca venha a conseguir. O que gostaria de destacar é que não era algo que persegui com fervor. Portanto, gostaria de explicar porque mudei de ideia a respeito, e hoje festejo a dupla cidadania que consegui.
Mensagem recebida do consulado 💗 |
Em 04 de Abril de 2012 estávamos na Itália em compania de Franca e Gino, em Villa Agnedo, tínhamos sido recebidos com todo o carinho, em um almoço esplêndido, com direito à brinde com espumante Rotari TrentoDOC, para de comemorar um importante momento da família: o retorno de alguém estimado que venceu o fio entre a vida e a morte num complicado tratamento de saúde.
Depois do almoço, nos perguntam se gostaríamos de buscar documentos da família para conseguir a cidadania italiana. Este foi um objetivo de muitos brasileiros que passaram por aquelas bandas, o que me envergonhava, pois desejavam apenas ter um passaporte italiano para ir sem barreiras para outros países da Europa, ou pior, tentar a sorte nos EUA.
Nós tínhamos percorrido um caminho diferente para chegar até alí. A visita aos parentes italianos era o resultado de uma trajetória de resgate de raízes, de formação de uma ampla teia de pessoas, na organização de um grande encontro da família Floriani no Brasil e na elaboração da árvore genealógica da família, e claro, muita pesquisa documental. Neste esforço coletivo é difícil de estimar a contribuição de tantos abnegados, sem os quais não saberíamos onde estavam nossos parentes, e nem seríamos bem recebidos por eles.
Os italianos explicaram que os documentos antigos haviam sido perdidos durantes as duas grandes guerras, que assolaram a cidade, mas que alguma coisa poderia ser encontrada, eles nos colocariam em contato com o "guardião do tempo", o padre. A proposta era tentadora, mas não estávamos lá para isto. Fomos pra Itália para conhecer os parentes e estabelecer uma relação direta de amizade.
De fato, quase tudo o precisava para se conseguir a cidadania italiana já havia sido feito, o processo dos descendentes de Pietro Floriani teve parecer favorável em Roma, mas, como denunciei, o processo não caminhava igualmente para todos os descendentes. Então nos questionaram se não poderíamos morar um tempo lá, ou contratar advogados.
Expliquei que naquele momento, tínhamos tanto orgulho e prazer em ser brasileiros, que não havia qualquer necessidade de ser reconhecido como cidadão italiano, e que tínhamos confiança que o Brasil era um país que caminhava para ter inclusão social, distribuição de oportunidades para todos, com sustentabilidade ambiental. Na época, eu trabalhava no Ministério de Minas e Energia, e lembro de falar sobre o forte ingresso de pobres na classe média, de acabarmos com a fome no país, de fazermos obras de infraestrutura de grande envergadura - a terceira maior hidrelétrica, a maior obra hidráulica na transposição do rio São Francisco, o maior túnel de desvio de água do mundo, o maior pátio de construção ferroviária no nordeste - eu estava orgulhoso e muito otimista. Era o país da Copa de Futebol, das Olimpíadas. O que mais escutei foram italianos que consideravam a possibilidade de investir no Brasil, e quem sabe se mudar pra cá.
Contudo, após as eleições presidenciais em 2014, e principalmente durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2015, reconhecido internacionalmente como um golpe político, as relações pessoais no Brasil tiveram profunda alteração. Movidos por ódio mas também por um processo de desinformação, hoje melhor compreendido, se fomentou no Brasil (e em diversos países Latino Americanos) a fragmentação do tecido social, que permitiu a emergência de movimentos proto-fascistas, que passaram a defender o uso da violência e o fim da democracia.
Recentemente estes movimentos caminham para uma ruptura completa, ao defender que o país seja conduzido por um poder ditatorial, o uso da tortura, da perseguição e exílio de qualquer um que discorde dos ideais de extrema-direita. O efeito disto nas redes sociais na internet foi avassalador.
Eu havia criado uma comunidade da Família Floriani no Facebook, e para tanto, contactei pessoas do Brasil inteiro, e de diversos países, mas minha animação terminou quanto alguns parentes começaram a dizer que todo esquerdista deveria ser expulso do país, o auge foi quando questionei um Floriani de Jaraguá do Sul, que afirmou que eu deveria morrer. De fato morri um pouco. Não consegui concluir o livro de história da família Floriani com 400 páginas já escritas. Também deixei de ir ao encontro da família realizado este ano em Rio dos Cedros. Preciso retomar o livro, mas o que escrever sobre como os familiares se tratam nos dias atuais? Provavelmente, é justamente por não conhecermos o passado que os erros se repetem.
Depois de ver o desmonte de políticas sociais, de entrega de empresas e recursos naturais estratégicos à países estrangeiros, do próprio governo promover a violência contra os grupos minoritários, tenho vergonha e medo de viver no Brasil. O mínimo conhecimento de história mundial aponta o risco, vivemos num país que ataca artistas, cientistas e universidades. Então surge um sentimento novo, do desejo de ser considerado estrangeiro, pois é.
Celebro com satisfação ter conseguido algo que pode ajudar a desta selvageria, conduzida por brasileiros que se julgam de bem. Só o tempo dirá se as coisas vão melhorar, mesmo assim algumas máculas nunca são curadas. Por isso é fundamental lutar para impedir que isto se aprofunde, e que ao redor dos Floriani sempre se promova a paz e a prosperidade para todos.
Agradeço profundamente o apoio de minha prima Cléia, irmã Juliana e prima Jordina Rita, fundamentais na pesquisa e organização do processo para obtenção da cidadania italiana, e claro, do lado de lá do Atlântico, de Franca Floriani, Renzo Sandri e Armando Floriani, sem os quais, nada teria acontecido.
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