Há quase 10 anos eu busco resposta para um mistério. No final do século 1800 foi roubado uma joia preciosa que pertenceu a Rainha Maria Antonieta. O Colar da Rainha sumiu da mansão do conde Dreux-Soubise. O crime foi desvendado muitos anos depois por um cavalheiro chamado Floriani. Eu publiquei uma nota no blog: Floriani desvenda roubo em 1906, afinal, quem era esse Floriani?
O pequeno texto rendeu boas risadas. Pois "O colar da rainha" não passa de uma ficção, publicado na revista "Je sais tout", n° 15, em 15 de abril de 1906, sob o título: La Vie extraordinaire d'Arsène Lupin: Le Collier de la reine, é a quinta das nove histórias da coletânea “Arsène Lupin, Ladão de Casaca”.
Pouca gente conhecia as histórias de Arsène Lupin até assistir a produção da Netflix, estrelado por Omar Sy, que interpreta o ladrão Assane Diop que é fã do Lupin (eu sou fã do Omar Sy). Difícil parar de ler depois de começar (aqui), inicie na página 54 se for um Floriani apressado. Se for apressado e mais erudito, pode ouvir os nove livros, do original em francês: aqui.
— E o senhor? — perguntou a condessa ao Cavaleiro Floriani.— Qual a sua opinião?
Nas obras de ficção de Maurice Leblanc, o ladrão Arsène Lupin tem como uma de seus truques uma grande a lista de pseudônimos. Por mais de uma vez, Lupin adota o sobrenome Floriani.
Em Le Collier de la reine, Lupin adotou o nome Chevalier Floriani na primavera de 1903, quando conheceu o conde de Dreux-Soubise em Palermo, na Sicília. Ainda como Floriani, foi à Roma e visitou algumas pessoas no Vaticano. Em abril de 1906 o Floriani visitou seu conhecido conde na França, e desvendou o desaparecimento do Colar da Rainha sob a perplexidade de todos.
Até os seis anos o jovem Lupin é chamado Arsène Raoul d'Andrésy, com o nome de solteira de sua mãe, a criada Henriette d'Andrésy, que se faz passar por viúva depois de se divorciar do marido. Ao casar com Clarisse d'Étigues em Julho de 1894, adquire o título de Visconde, e aproveita para apagar os vestígios de sua origem nos registros da cidade de Blois, quando substituiu Lupin por Floriani.
Para entender Lupin, Leterrier (2017) tem o melhor artigo que encontrei. A principal inspiração de Maurice Leblanc para criar Lupin são os romances de Alexandre Dumas. Lupin também seria um Cagliostro, mas ‘modernizado’ para a Belle Époque, claro. A passagem de Lupin para Assene Diop é também interessante, como o excelente artigo de Robin Walz (2022), professor de História da Universidade do Sudeste do Alaska, cujo artigo é bom para entendermos o contexto no qual surge Lupin e seus antecessores.
Nas obras de Alexandre Dumas, Edmond Dantè adotou o nome de Conde de Monte Cristo, ou de Joseph Balsamo adota Cagliostro. Embora o Siciliano Cagliostro tenha realmente existido (1743-1795). Da mesma forma, Lupin adota títulos nobres e nomes de origem mediterrânea, como o barão Anfredi, o Visconde de Andresy, o coronel Sparmiento, e claro, o cavalheiro Floriani. Além destas há muitas outras semelhanças entre Leblanc e Dumas, e como aponta Leterrier (2017), Lupin pode ter utilizado o nome Floriani para sugerir a mesma origem Siciliana do personagem Cagliostro.
Desta forma o mistério permanece, de todos os nomes possíveis, porque Floriani?
Enquanto isso, não seria nada mal ver uma quarta edição do filme da Netflix, quem sabe Assene Diop embarca em uma aventura na Sicília J.
...
Étienne Leterrier, « Cagliostro (1743-1795) inventeur d’Arsène Lupin », Cahiers d’études romanes [Online], 34 | 2017, posto online no dia 27 setembro 2017, consultado o 04 agosto 2022. URL : http://journals.openedition.
Robin Walz, “Vu et regardé”: Lupin Steals the Show. 31 de maio de 2022. Formerly published as Fiction and Film for French Historians (vol. 1-8), and Fiction & Film for Scholars of France (vol. 9-11; ISSN 2638-793X). Disponível em: https://h-france.net/ imaginaries/2022/05/31/vu-et- regarde-lupin-steals-the-show/
Ruaud, André-François (2002) Arsène Lupin: a timeline. Cool French Comics. https://www.coolfrenchcomics. com/arsenelupintimeline.htm
Comentários
Postar um comentário